O julgamento do cirurgião Joël Le Scouarnec, acusado de abusar sexualmente de centenas de menores ao longo de sua carreira, começa nesta segunda-feira (24) no noroeste da França. O caso, considerado o maior escândalo de abuso infantil na história do país, levanta sérias dúvidas sobre como as autoridades permitiram que os crimes ocorressem por tanto tempo.
Mais de 300 crimes sexuais e possível condenação
Le Scouarnec, de 74 anos, é especialista em cirurgia digestiva e enfrenta acusações de 300 atos de estupro e agressão sexual contra 299 pessoas — 158 homens e 141 mulheres — entre 1989 e 2014. A média de idade das vítimas na época dos crimes era de 11 anos. Se condenado, ele pode pegar até 20 anos de prisão.
Atualmente, o ex-cirurgião já cumpre uma pena de 15 anos de prisão por quatro casos anteriores de abuso, incluindo o de uma menina de seis anos, uma paciente e duas sobrinhas. Ele também foi condenado por posse de pornografia infantil em 2005, mas, mesmo assim, continuou trabalhando com crianças.
Jornais revelam detalhes dos abusos
As autoridades descobriram centenas de vítimas através dos diários e anotações do próprio Le Scouarnec, que relatava como abusava dos pacientes em salas de cirurgia e quartos de hospital, muitas vezes sob anestesia.
“Ele é o produto de nossas falhas, de nossa cegueira”, afirmou o jornalista francês Hugo Lemonier, autor do livro “Trapped”, que investiga o caso.
Sistema falhou ao permitir continuidade dos abusos
Uma investigação apontou que, em 2004, o nome de Le Scouarnec apareceu em uma lista do FBI de clientes de um site de pornografia infantil. A polícia francesa o interrogou, mas, sem encontrar provas materiais, ele recebeu apenas uma pena suspensa. Não houve investigação sobre seu histórico com pacientes menores de idade ou familiares, permitindo que ele continuasse abusando de crianças por mais uma década.
“Não houve procedimentos disciplinares nem investigações internas nos hospitais onde ele trabalhou”, afirmou Francesca Satta, advogada de 10 das vítimas. “Ele seguiu mudando de clínica e abusando impunemente.”
Julgamento pode mudar abordagem contra crimes sexuais na França
O caso de Le Scouarnec ocorre em um momento de crescente preocupação com a impunidade dos crimes sexuais contra menores na França. Segundo um relatório da Comissão Independente sobre Incesto e Violência Sexual contra Crianças, cerca de 160 mil crianças são vítimas de abuso sexual no país a cada ano. No entanto, apenas uma pequena parcela dos casos resulta em condenação dos agressores.
O julgamento de Le Scouarnec poderá reforçar a pressão por reformas no sistema de proteção infantil e na responsabilização de profissionais da saúde que trabalham com menores.